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24 de set. de 2012

Fim de feira



Domingo, fim de feira

A rua ao término da feira, leva um tempo para os nossos olhos se adaptarem à sua normalidade. Depois de varrida a última folha, até a limpeza parece estranha; falta naturalidade _ originalidade _, mas o cheiro recendente nos leva os sentidos a doce exuberância do pomar de lembranças.

Logo a paisagem vai se renovando: A última barraca desmontada, crianças, brincadeiras, jovens, vozes, gritos, meninas, moças, senhoras, gestantes, homens, carros, postes, fios, pássaros, pombos,... Pombos? Pombos já não são pássaros, são bichos comendo detritos de bichos e cagando infecção! Cães...
e os telhados que espiavam o movimento por sobre a lona das barracas exibem novamente suas estruturas, a área, o jardim;
E a morena bonita cantarolando, arrumando os cabelos, vê
 O gato na janela assobiando Jobim.

É bom o cheiro de feijão refogado.
A imagem na tv é a mesma da semana passada
A linguagem do outro século, exacerbadamente vulgar;
_ Perdão! Podem buzinar._
A linguagem é a de sempre: Vômito, podridão...
“Quem não se comunica se se trumbica”.
Que saudade da comunicação!


É domingo, os homens jogam e bebem.
Os bares estão cheios.
Quanto será que custa uma cerveja?
Rabo de galo dá dor de cabeça; e uma ressaca!
Pensar em conhaque me causa repulsa, e arrepio, dor de cabeça...
Pior que cachaça.

Puxa! Como tem mulheres alcoólatras e fumantes hoje em dia!
O preço do abacaxi tá um absurdo! É de morte!
E o pepino então!...
E o sexo?
E o coquetel? Mas os postos dão camisinha!
É melhor ser autólatra que alcoólatra?

Tudo custa.

Tudo embriaga. Tudo é vício, tudo vicia!
Até a rua
A noite
A poesia
A lua
A sarjeta
O abraço, o beijo
Os seios, o amasso, a... também vicia.
A dor
O remédio.
A solidão;...a procura.
Há cura!

Falo pelos cotovelos, sou um pentelho.
Nunca serei um busto.
Espelho.

Nunca serei um busto
Um monumento
Onde os pombos trepem
E se lubrifiquem se amando...
Cagando os detritos dos dejetos
Dos projetos dos homens: Nós, de salto alto,
O movimento,
Vivos, vistos do alto.

Nunca serei história
Também história nenhuma fiz nem farei.
Não sou história
Não nasci pra Colombo.
Não canto
Não conto
Não sou conto
Nem santo
Talvez pombo.

Nesse tempo, _ Tempo das águas _
Logo após a estiagem da tão esperada primeira chuva, o sol, lembra-me um velho e nossa primavera. Eu já o conheci cheio de rugas e grisalho, _ juro! _ a dançar entre as covas, semeando grãos, com amor e fé, e espalhando com os pés a terra para cobrir a esperança do futuro;
O suor escorrendo em seu rosto como água no leito de um sinuoso rio.
E seus cabelos pretos, entremeados de fios bancos sob o chapéu de feltro, reluzindo como orvalhos à sombra tocados pelos raios do sol da manhã. Ao meio dia, ave Maria!...
Água fresca e um assobio.

Sabedoria e humildade andavam de braços dados rezando, cantando e dançando, e compondo os novos passos para os jovens, e ainda imaturos, semeadores de esperanças.
Há vidas, há momentos, e há fatos que compõem nossas lembranças que são mais que perfeita poesia. É uma oração; é profecia. Um diálogo direto com Deus numa linguagem de semelhança de sentidos.

Tudo que Deus criou tem sua utilidade. E ser útil é o fundamento de toda criatura, portanto tornar-se útil, sentir-se útil é fundamental para se sentir ser vivo.

Não compreendemos os insetos, a razão de suas existências, mas eles cumprem seus compromissos para com a vida. Como as formigas, as abelhas, ainda são espelhos para o homem.
Tudo que Deus criou tem sua serventia, inclusive o homem. E é preciso viver dentro do limite da sua precisão. Nem mais nem menos.

Ele, meu velho, dizia coisas assim, enquanto dançava esmagando os torrões úmidos, esparramando a terra sobre as sementes escolhidas para plantio.
A fé sempre florescia primeira mesmo no estio.

Dele não se fez notícias
Não se fez nenhuma ode
Nenhuma epopeia.
Ele apenas cumpriu seu destino,
Nem mais nem menos. Sempre fora ele mesmo, o que era.
Fez-se o bastante no extremo da necessidade.

Mas eu tenho dele um retrato,
O seu autorretrato,
E como pano de fundo eu vejo o céu
Estampado mulher ostentando-o nas nuvens, sua esposa;
Minha mãe.

Domingo, fim de feira, bom vadiar assim, pensando, sem eira nem beira.

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