Uma pessoa estranha é uma
pessoa comum. É aquela pessoa comum, mas que apresenta alguma diferência que
desperta preconceito noutras pessoas comuns, inclusive estranhas. Existem
pessoas estranhas e esquisitas, e existem pessoas tão esquisitas e estranhas
que nem existem, pertencem ao imaginário. Identifica-se ao estranho e esquisito
entre as pessoas comuns principalmente pela sua aparência, pois, ele apresenta,
evidentemente, uma mistura de estranhezas: comporta-se de maneira diferente, é
feio, desajeitado, geralmente é inibido ou se faz de muito extrovertido e
engraçado. Convenhamos, uma pessoa estranha e esquisita é mais completa do que
uma pessoa comum. As esquisitas e estranhas oriundas do imaginário são aquelas
que logo que as avistamos formamos um breve conceito sobre elas e as alojamos
no porão do nosso castelo assombrado. Lá é o quarto de hóspede daquilo que
julgamos esquisito. Muitas vezes, com o passar do tempo, ao fazer uma faxina
encontramos pessoas e coisas estranhas e esquisitas que já não são mais esquisitas,
muito menos estranhas, e sim, extremamente queridas e úteis. Aí se tornam belas,
estimadas e geniais. Mas o porão do castelo nunca fica vazio.
Raimundo
era um hóspede frequente desses castelos assombrados. Vivia nos porões
habitados por espectros e coisas exóticas. Circulava sem medo. Procurava sempre
se adaptar o mais rápido possível para sentir-se confortado. Então ia com
cuidado e gentilezas decorando o ambiente a seu gosto. _ Quando não se sabe o
tempo da estadia, melhor é agir como se se alojasse em moradia permanente, até
que seja convidado a transferir-se para outro aposento mais sociável _ assim
pensava ele sobre as novas amizades. Raimundo é sim um estranho; estranho e
esquisito, não necessariamente nessa ordem. Ele é tímido, não consegue sorrir.
Fica tempo demais olhando para o nada e qualquer insignificância o detém. Ele
olha para muita coisa de importante e não vê nada e no nada se prende a valores
ocultos. As evidências lhe causa estranheza. Ele curte música clássica, gosta
de Chico B. e fala sozinho. Se tivesse o dom para certas ciências e invenções
certamente se tornaria um homem de conquistas. Mas ele não o tinha. Ele tinha o
dom da esquisitice e as ironias da vida colaboram para que no campo das
excentricidades se estabelecesse. Sim, evoluíra sim, graças às adversidades do
campo da hipocrisia. Ele é realmente esquisito; ele fala sozinho!
Ele ouvia
Chico Buarque enquanto descia a COHAB, não ouviu que alguém o chamava. Vez por
outra parava e anotava alguma coisa. Não olhava para os lados e quando o fazia
olhava pra lugar nenhum, não era pra ver nada; olhava pra dentro de si buscando
um pensamento arisco que lhe escapara.
_ Ei!
Raimundo, espera! _ uma voz penetrou-lhe ao término da música “Iolanda”. Parou
e olhou para os lados, ninguém conhecido. Prosseguiu.
Conhecidos
o achava medíocre, orgulhoso e exibido. Estranhos o achava estranho. Mas quando
alguém o atraia para a realidade ele era “todo ouvidos”, se sentia feliz e até
orgulhoso e importante, mesmo que fosse atraído apenas para uma informação ou
um bom dia. Percebe-se que era fácil cometer enganos e que era fácil enganá-lo.
_ Oi,
Raimundo, pera ai! _ a voz agora mais próxima o desligara da introdução de
“Minha História” que Chico entoara.
Ao
olhar pra traz, na direção do portão de um prédio viu a mulher ofegante. Era
Flávia, uma amiga, uma antiga paquera, uma pessoa especial.
_ Oi,
Flávia, desculpe _ justiçou – eu tava com fone de ouvido.
_ Tudo
bem, eu devia saber _ sorriu expressiva _ você vive com isso no ouvido! O que
tá ouvindo, axé ou pop? _ e olhando-o de cima a baixo _ Aonde vai assim tão
bonito, com tanta pressa?
_
Chico Buarque de Holanda _ e colocando o fone no ouvido dela pontuou: _, o
melhor da MPB; e eu to indo matar alguém para que alguém enfim viva. _ Mas ela
não prestou atenção na última informação.
_
Melhor que Caetano?
_
Melhor é melhor ou tanto quanto _ riu _, depende do momento.
_ Não
entendi. _ pensou um pouco e desviou para o assunto que a fizera descer
correndo as escadas do prédio. _ Quero que me empreste um livro de filosofia. Trabalho
de escola, manja? Eu sei que você tem. Um dia você tava lendo e falou dele com
tanto entusiasmo que eu nunca esqueci. Era uma história meio infantil, parece.
_ Tá
bom, qual é o livro?
_ Não
sei.
_ Como
assim, não sabe _ riu novamente _; de repende o livro é da biblioteca
municipal.
_ Ai
que bom! _ exclamou mordendo o lábio inferior e balançando a cabeça
negativamente _ ganhei o dia. Fiz você sorrir duas vezes.
_ Bom,
não vem ao caso, deixa. _ Desconcertado, abriu a mochila e pegou a caneta _
anota meu telefone e me liga de tardezinha. Quando eu voltar eu...
_ Olha
pra mim _ moveu o rosto dele para que a encarasse _ Não fica sem jeito; eu sei
que você é casado; eu sei que você não me quer... tudo bem, respeito isso. Mas
você não sente nada por mim? Não me deseja, não pensa em mim?...
_ É
Prometeu e Epimeteu _ deixou escapar um suspiro; voltou-se para mochila
novamente, fechou o zíper já seguindo em frente _, vou trazê-lo pra você.
_ É o
que tem caixa de pandora? _ ela gritou.
_
Exato! _ ele se virou e confundiu um pouco mais dizendo: _ Quando estou com
Chico, prefiro Chico; quando estou Caetano, prefiro Caetano.
_ Ele
me ama! Ele me ama! _ ela dizia, e atravessou o portão mordendo os lábios e
gritando _ Ele me ama!
E
quando subia as escadas parou estarrecida e dizendo: _ Meu Deus do céu! Ele vai
matar quem?
Ela
voltou correndo para a rua, mas ele já havia desaparecido.
Júlia
vivera história parecida a um conto de fadas. Seu sapo transformara em príncipe
logo no primeiro beijo. Era da plebe, mas era de caráter notável. Mas a menina fora
criada como uma princesa e educada na ilusão de um dia partir numa linda carruagem
ou entrelaçando-se na cintura de um grande amor que a levasse à torre de um
castelo cavalgando um cavalo branco; portanto não soube reconhecer o bom companheiro
que sempre esteve ao seu lado no cenário da sua realidade urbana. Abandonara-o
e entregou-se aos sonhos. Mas a efêmera aventura que vivera nem chegou a
conhecer a felicidade, só descobrira que ela, a felicidade, estivera antes contigo
sem os brilhos cintilantes, porém vivazmente ativa. O príncipe nem era sequer
gentil. Do conto de fadas herdara um belo garoto, pequeno príncipe, que fazia a
alegria da sua vida. Arrependera-se e quis voltar, mas o sapo, frágil mutante,
não suporta a mais de uma metamorfose, o a mor verdadeiro é o seu último
estágio.
Trecho do livro "Um minuto, por favor".
Muito bom!
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